Editorial — Revista USO

Santiago Segundo
3 min readJan 15, 2019

--

Recorte da capa da Edição número zero da Revista USO.

USO: ‘emprego efetivo da língua, que constitui o interesse da abordagem descritiva em linguística, em oposição à atitude normativa.’

Formada inicialmente por três pessoas (dois escritores, Santiago Segundo e Thiago Mostazo, e um artista plástico, Pedro Mirilli), a revista propõe um trabalho coletivo na produção artística.

Quadrimestral, a edição de estreia ocorreu no final de 2018 e ainda está a venda (15,00 reais). Todo o dinheiro obtido é para sustentar o projeto.

Impreterivelmente, em uma sociedade da produção — “multitask”, multitarefa — ,de raro aprofundamento, de ansiedade e de ferramentas demasiadas impessoais, a contemplação se torna uma espécie de resistência, um espaço-tempo onde o humano pode debater a sua potência como consciente, sua revolta perante o absurdo e sua condição como ser discursivo.

Na hegemonia da lógica mercantil e na difusão da ótica fascista, qualquer interesse pela arte é resistência. A expressão humana através do viés estético é uma ferramenta para: 1) a ressignificação do fenômeno. 2) para o debate da existência. 3) para o registro histórico.

Quadro feito por Luiz Misao. Participaram desta edição: Luiz Misao, Lid ja, João Mostazo, Aline Bei, Pessanha, Tomás Spirandelli, Isadora Lobo, Thiago Mostazo, Mirilli, Santiago Segundo, Alex Tajra, Marcos Vinicius Sokabe Ribeiro, Júlia Vita e Thomaz Civatti.

Publicado na Edição ZERO da Revista USO

EDITORIAL

Ilustração por Lid ja (instagram @meunomenaoecarmen) e diagramação por Pedro Mirilli (instagram @pedromirilli)

A solidão ativa é um meio para o banquete coletivo dos ordinários,

caídos ou não

A solidão passiva é um meio do horror sistêmico

para que sejamos vis

à nossa covardia,

inspetores

de nossa condição produtiva

e amargos

ao nosso dever político

Prescrevem nossas cercas e o arame farpado com o melhor coeficiente de segurança

Prescrevem o modo do nosso pronome possessivo

Oh, Senhor, Deus dos desgraçados,

ainda deitado com o analfabetismo do céu e com a indiferença da cabra?

A palavra é nossa!

Somos porque negamos a simples resposta aos estímulos

Somos porque agimos nas noites de ureia, chumbo e bosta

Somos porque não somos

E não somos porque carregamos todos os rostos do Tempo

Não estamos sozinhos

Para cada tentáculo

teremos a memória do suplício:

desde cavalos desmembrando condenados

à Sucursal do Inferno

Para cada tentáculo

teremos a marca das ondas, do ferro, do sal e do suor roubado

que navios tumbeiros deslocaram ao pélago civilizatório

Para cada tentáculo

despertaremos nosso carrasco metafísico

nossas dores nossas contrições diárias

e sangraremos por toda a América Latina e por todos os clandestinos

Para cada tentáculo

teremos as pegadas maternas atrás de ossos no deserto do Atacama

teremos todo o carbono calcificado

Para cada tentáculo

teremos os botecos com seus sonhos mudos

teremos todo o esgoto cartografado

e talharemos no excremento beatificado

uma rosa faminta

E enquanto procuram níqueis

na noite sem fim

sequestraremos a noite

cantaremos junto às bruxas da amaldiçoada peça escocesa

beberemos do amor que transfigura o copo

seremos amantes

corpo-discurso

e no fundo da noite

os rejeitados terão,

em uma mão,

a Serpente Cibernética degolada

ungida pelo próprio sangue elétrico –

que a faz real

E na outra mão,

a Serpente Fascista

enrolada

Com o rabo na própria

Boca

Santiago Segundo — Escritor, “Estômago” romance publicado pela Editora Kazuá. Editor e colaborador da Revista USO.

https://www.facebook.com/revistauso/

instagram.com/revistauso

revistauso@gmail.com

--

--

Santiago Segundo

Escritor e pesquisador de Kafka. São Paulo. “Estômago”, Editora Kazuá. Editor da Revista USO.