Editorial — Revista USO
USO: ‘emprego efetivo da língua, que constitui o interesse da abordagem descritiva em linguística, em oposição à atitude normativa.’
Formada inicialmente por três pessoas (dois escritores, Santiago Segundo e Thiago Mostazo, e um artista plástico, Pedro Mirilli), a revista propõe um trabalho coletivo na produção artística.
Quadrimestral, a edição de estreia ocorreu no final de 2018 e ainda está a venda (15,00 reais). Todo o dinheiro obtido é para sustentar o projeto.
Impreterivelmente, em uma sociedade da produção — “multitask”, multitarefa — ,de raro aprofundamento, de ansiedade e de ferramentas demasiadas impessoais, a contemplação se torna uma espécie de resistência, um espaço-tempo onde o humano pode debater a sua potência como consciente, sua revolta perante o absurdo e sua condição como ser discursivo.
Na hegemonia da lógica mercantil e na difusão da ótica fascista, qualquer interesse pela arte é resistência. A expressão humana através do viés estético é uma ferramenta para: 1) a ressignificação do fenômeno. 2) para o debate da existência. 3) para o registro histórico.
Publicado na Edição ZERO da Revista USO
EDITORIAL
A solidão ativa é um meio para o banquete coletivo dos ordinários,
caídos ou não
A solidão passiva é um meio do horror sistêmico
para que sejamos vis
à nossa covardia,
inspetores
de nossa condição produtiva
e amargos
ao nosso dever político
Prescrevem nossas cercas e o arame farpado com o melhor coeficiente de segurança
Prescrevem o modo do nosso pronome possessivo
Oh, Senhor, Deus dos desgraçados,
ainda deitado com o analfabetismo do céu e com a indiferença da cabra?
A palavra é nossa!
Somos porque negamos a simples resposta aos estímulos
Somos porque agimos nas noites de ureia, chumbo e bosta
Somos porque não somos
E não somos porque carregamos todos os rostos do Tempo
Não estamos sozinhos
Para cada tentáculo
teremos a memória do suplício:
desde cavalos desmembrando condenados
à Sucursal do Inferno
Para cada tentáculo
teremos a marca das ondas, do ferro, do sal e do suor roubado
que navios tumbeiros deslocaram ao pélago civilizatório
Para cada tentáculo
despertaremos nosso carrasco metafísico
nossas dores nossas contrições diárias
e sangraremos por toda a América Latina e por todos os clandestinos
Para cada tentáculo
teremos as pegadas maternas atrás de ossos no deserto do Atacama
teremos todo o carbono calcificado
Para cada tentáculo
teremos os botecos com seus sonhos mudos
teremos todo o esgoto cartografado
e talharemos no excremento beatificado
uma rosa faminta
E enquanto procuram níqueis
na noite sem fim
sequestraremos a noite
cantaremos junto às bruxas da amaldiçoada peça escocesa
beberemos do amor que transfigura o copo
seremos amantes
corpo-discurso
e no fundo da noite
os rejeitados terão,
em uma mão,
a Serpente Cibernética degolada
ungida pelo próprio sangue elétrico –
que a faz real
E na outra mão,
a Serpente Fascista
enrolada
Com o rabo na própria
Boca
Santiago Segundo — Escritor, “Estômago” romance publicado pela Editora Kazuá. Editor e colaborador da Revista USO.
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